28 março, 2017

Tudo (em) Parte (no) Todo

O tempo vai me mostrando quem sou. Poderia ter sido bem antes – digo assumindo os períodos escorridos nas beiras, desperdiçados presentes hoje residentes na memória, moribundos, mas ainda assim lá. No espelho, os fios brancos contam que o tempo corre, tão depressa, parece ter pressa. Ao menos não escorre. Percorre asfaltos, pedras, lamas, chuva em velocidade urbana. O tempo é dos bróders o mais confiável, ajusta imperfeições do dia, ensina a paciência, esfrega na cara o que somente ele, no alto de sua condição constante, presente, confidente, ousa afirmar: não tem tempo ruim, camarada. Faça chuva, sol, ou a deliciosa combinação dos dois, quem sabe aquele abençoado frio com sol no rosto... Faça o tempo que for, o foco é o agora. Estuda? Estude. Trabalha? Trabalhe. Cuida? Cuide. Dorme? Durma. O que não te agrada? Não perca o tempo com isso. Complicado arriscar ou recomeçar? Sempre é tempo disso.
De tudo aquilo que estamos vivenciando agora – falando, ouvindo, vendo, sentindo, experimentando – em 20 minutos mais da metade terá se perdido da memória. E como é bom nos livramos de instantes que existem apenas para... deixar de existir, que nos servem a um passo além, ou apenas ao próximo passo, em falso ou firme, que se vai numa piscada, num frame sensorial. O que fica, pelo contrário, é armazenado, é história, lembrança feita do que tem relevância. O tempo se encarrega do esquecimento, se for o caso, ou da permanência, fortalecida nas idas e vindas pelos chamamentos da memória. É história. Sou eu. O meu tempo aproveitado. Meu espelho que se abre transparente à minha frente, que me mostra que sou mais do que vejo, sou o que guardo e recebo de bom grado. Sou os meus deslizes, a ajuda recebida, o cachorro na janela, a sala de aula lotada, o ovo espatifado no chão, o desenho escondido, a poesia não escrita, o amor que escorreu. Sou o que lembro, o que fica, o que aprendo e desejo, o que sonho e concebo, o que vibro e receio, o consenso, o bom senso, a mãe que se culpa, sou o filho que se cura com a presença da mão segura. Sou o brilho e o sorriso da filha, a bronca que não segurei, a quina que chutei. Sou todas as músicas da minha playlist e serei mais, das que ainda não conheço bem. Sou a vizinha que ora, o palhaço do semáforo, o doador de sangue. Sou todos e tudo o que me faz ser. Por isso sou tanto quanto todos são: fragmentos de um tempo, tão breves quanto um momento que se perde, ou permanentes, situados em algum lugar onde sempre será possível sermos resgatados ao presente, voltando a ser de tudo parte e todo.

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