Há quem acredite que Psicanálise e Psicologia são a mesma
coisa. As diferenças são muitas, porém. Ambas passaram a se desenvolver no
final do século 19, visando à compreensão de processos mentais relacionados ao
comportamento e à saúde, mas cada uma a partir de métodos e objetivos
distintos. São troncos de árvores enormes, com ramificações nas quais até mesmo
as finalidades se diferenciam.
Por exemplo, nem todo psicólogo precisa trabalhar em clínica,
com psicoterapia (há outras áreas de atuação), mas entre os que atuam, as
abordagens podem ser várias – o que significa linhas de pensamento e visões diferentes,
a partir de teóricos e teorias consagradas em seus respectivos meios.
Já a Psicanálise pode ser exercida por quem não é psicólogo,
mas aí existe um percurso longo e contínuo, dentro de uma instituição
reconhecida, além de um rigor ético, para que uma pessoa se denomine
psicanalista.
Nas faculdades de Psicologia, a Psicanálise é apresentada como
uma das abordagens e aprofundada, como as demais teorias, até certo ponto. Os
alunos escolhem suas abordagens em determinado momento do curso, e aqueles que
optam pela Psicanálise – o estudo do inconsciente – é porque compreenderam que ali residem aspectos de nossa história que,
sem nos darmos conta, conduzem o modo como vivemos, decisões que tomamos e tudo
o que se desenrola a partir do que está nesse lugar “esquecido”, mas incrivelmente
atuante.
Então, se faz necessário para este recém-formado psicólogo
traçar um percurso de estudos que será infindável. Afinal, quem segue a
abordagem psicanalítica sabe claramente que a prática desse tipo de
psicoterapia pressupõe um tripé, que é a ética psicanalítica citada acima e que
deve ser seguida à risca tanto por psicólogos dessa abordagem quanto pelos
psicanalistas de instituições: o estudo consistente, a supervisão de casos com
seus pares e a própria análise em percurso permanente.
É por conta dessa ética própria da Psicanálise que ela segue
com seu tronco forte, tendo sido, desde Freud, revista, ampliada (por outros
teóricos pós-freudianos) e atualizada através de grupos de estudos, produções
acadêmicas e trabalhos em instituições reconhecidas. Afinal, o sujeito dos anos 1900 não é o mesmo de
agora, e trabalhar para que ele compreenda sua singularidade em sua própria
história passa pela constituição de seus laços, ontem e hoje, e dentro da
complexidade dos nossos tempos.
Penso que é necessário que o paciente, em certo momento,
seja esclarecido sobre essa trilha que conduz o pensamento de seu psicólogo, não
como explicação teórica, mas pelo alinhamento das subjetividades (paciente e
analista) para que esse percurso seja frutífero. E para quem não sabe se a
Psicanálise serve para si e seus anseios, sugiro que termine este texto e
sinta. A psicanálise, afinal, é para quem?
Para
quem sabe que está no mundo apenas de passagem, mas não se contenta em apenas
vislumbrar a paisagem. Para quem se atenta ao que sente em profundidade, e quem
não sabe nomear sua dificuldade. Para quem se controla para evitar sentimentos,
e caminha a passos rígidos e pesados em muitos momentos. Para quem não resiste
a transbordamentos sob o chuveiro, e quem extravasa no trabalho, exercício,
cigarro ou brigadeiro. Para quem chora lágrimas de riso, mágoa, cólera ou
desamparo, lidando coma gangorra que é a vida desde o átomo. Para quem se cansa
de oscilar, e para quem “mudar” é sinônimo de desesperar. Para quem projeta no
filho seu desejo, e para quem o desejo é o outro desejar. Para quem se esconde
no sorriso, e quem se esqueceu como brincar. Para quem tira proveito do mar, e
quem não se permite desligar. Quem ama muito e sem parar, e quem escolhe
espaçar, afastar, esperar. Para quem não tem resposta pras questões fundamentais,
e quem não sabe o que deveria se questionar. Para quem sente que pode alcançar
e vai, mas ao chegar encara estranho pesar. Para quem duvida de si a ponto de
culpar terceiros, e quem acolhe culpa projetada, identificada com tal parceiro.
Para quem corre tanto que se perde em mil tarefas, e quem desperdiça tempo anestesiado
em tanta tela. Para quem necessita de medicamento para se integrar, e quem dele
quer se autonomizar. Para quem precisa se dar conta de que da conta não se
corre. E quem dá conta de tanto que não cuida de si mesmo, e encara a morte.
Para quem repara e quem precisa de reparo – no sentido de conserto e de
cuidado. Para quem a angústia do que viveu retorna, e mora sob traumas, repetições
e medos. Para quem tem dúvidas demais que paralisa, certezas demais que
desanima; desânimos que submergem, subterfúgios que adoecem. Para quem não se
conforma e os conformados incomodados. Para quem vive um luto e não quer
encontrar a saída. Para quem não foi amado e repete relações de falta, e quem
foi tão sugado pelo amor que se perdeu no vazio. Para quem precisa encarar
ressentimentos, covardia, embotamentos e fraturas psíquicas, e se aliviar
sabendo que, a partir de agora, é preciso se conectar. É pela fala, a
associação livre, um presente de Freud para todos, que a Psicanálse opera, assim
como pela transferência ao analista – que ocupa um lugar de não saber,
contemplar e ajudar a relacionar o que se lança também sobre ele. É um trabalho,
método, técnica que exige profundo respeito, nenhum julgamento. Cada sujeito é
inteiramente único, e a beleza de não ser enquadrado, mas reconhecido como potente
e singular é o maior presente que a Psicanálise pode nos dar.
TATIANA ROSA é
psicóloga, pós-graduanda em psicoterapia psicanalítica; pedagoga e jornalista.
E-mail: rosa.ta@gmail.com , insta:
@tati_psico. 11 98367-9733
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