18 abril, 2025

O VALOR da perda



Perdas são inevitáveis, mas ninguém quer. Ninguém quer perder uma partida seja lá do que for. Do palitinho à final do Brasileiro. Mas estas, ao menos, não nos afetam mais do que poucos segundos, minutos, algumas horas de tormentos alheios... Passageiro. O sono é o mesmo, a vida segue inabalável.

Perder para a morte repentina ou para uma doença progressiva são outros quinhentos multiplicados por infinito. É bem no meio dessa perda que mora a angústia, sentida como um vazio impreenchível e por onde perambulam saudade, arrependimento, gratidão, dor. Dor que exige uma nova condição não requerida, que gera revolta e invoca a aceitação da imposição de um fato sobre a vida. Fatos que afetam sem pedir licença. Nada fácil perder um amor e não se perder junto. 

As aparentemente pequenas, mas tão significativas perdas que experimentamos ao longo da existência nos ajudam a passar pelas demais, essas grandes e marcantes, que encerram fases e iniciam outras, que passam a ditar calendários em antes e depois. 

Saber que as perdas são constitutivas de todo ser humano significa que somos feitos delas. 

Como aquela que sente o bebê quando a mãe se ausenta levando consigo o seio que o nutre, acalenta, integra; mais tarde, a perda que desvencilha a criança da figura materna pelo reconhecimento de uma terceira (a paterna, ou quem faça essa função no papel de terceiro), que a ensina a perder onipotências e a fazer escolhas; perdas como a da infância para a adolescência – esta tomada por si só, em essência, de perdas tamanhas (do corpo, da voz e da fala, da turma, dos amigos de outra escola, da paixão não correspondida, da heroicidade dos pais).

O manejo da vida é em grande medida o manejo de perdas. 

O bebê que, amparado, soube suportar uma perda (ausência), assim como a criança que, tomada de conflitos subjetivos, conquistou o olhar para si e se reconheceu uma sem os pais, e o adolescente que mesmo se revoltando, enfrentando ou silenciando soube que não estava sozinho e teve novamente o amparo de que necessitou para desenvolver um olhar genuíno para si, é a pessoa que, hoje, quando perde, lida – sem se perder. A percepção, a presença, a fala e a escuta dos pais (ou de quem cuida) frente às perdas constitutivas do bebê, da criança e do adolescente, sujeitos altamente vulneráveis, irá ditar como se dará a forma de lidar com as perdas seguintes – das pequenas às imensuráveis. 

 Afinal, é a vida quem ganha todos os dias, até a morte chegar. Esta, sim, vencedora soberana sobre a vida. 

 Mas nós, sim. Perdemos, e muito, o tempo todo, temporária ou permanentemente. O ônibus, o tempo, a convivência. O amor que esvaziou, a taça que trincou, a memória que apagou. Perdemos num momento a filha adolescente que foi morar longe para estudar; o pai idoso cuja fortaleza se esvai e o corpo não responde à sua consciência; o amigo de longa data que, num súbito, perdeu o controle de sua moto. A paciência, os óculos, a chance de dizer aquilo que ficou guardado. Quando fazemos escolhas. Quando abrimos mão. Quando deixamos ir. Perdemos amigos e companhia, perdemos a mãe, o pai, os avós, o emprego que amávamos. Perdemos aos poucos quem vamos esquecendo. Perdemos tempo, viço e até alegria (que seja por algum momento). E o controle? Não o perdemos, porque não o temos. 

Mas da matéria da perda se faz novos sonhos, e com eles, novas possibilidades.

Só se reconstrói quem, ao (se) perder, se desconstruiu. Só se busca recuperar algo quem reconhece aquilo que perdeu. Só melhora quem assume erros e perdas. A capacidade de sublimar as perdas em novos espaços – internos e externos – a serem descobertos vem da habilidade de amar, por ter sido amado. E de aceitar ser amado, por saber manifestar seu amor. É o amor, aquele primordial, em forma de amparo e cuidado, na medida entre a presença e a ausência, entre o ter e o faltar, entre o ser e o não saber, que, embora não alivie as dores das perdas, tantas e todas, rasas ou profundas, não nos deixa nos perder de nossa própria vida – e nos faz seguir em frente. 


TATIANA ROSA é psicóloga, pós-graduanda em clínica psicanalítica; pedagoga e jornalista. 
E-mail: rosa.ta@gmail.com  -  insta: @tati_psico

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