Perder para a morte repentina ou para uma doença progressiva são outros quinhentos
multiplicados por infinito. É bem no meio dessa perda que mora a angústia,
sentida como um vazio impreenchível e por onde perambulam saudade,
arrependimento, gratidão, dor. Dor que exige uma nova condição não requerida,
que gera revolta e invoca a aceitação da imposição de um fato sobre a vida.
Fatos que afetam sem pedir licença. Nada fácil perder um amor e não se perder
junto.
As aparentemente pequenas, mas tão significativas perdas que
experimentamos ao longo da existência nos ajudam a passar pelas demais, essas
grandes e marcantes, que encerram fases e iniciam outras, que passam a ditar
calendários em antes e depois.
Saber que as perdas são constitutivas de todo ser humano significa que somos feitos delas.
Como aquela que sente o bebê quando a
mãe se ausenta levando consigo o seio que o nutre, acalenta, integra; mais
tarde, a perda que desvencilha a criança da figura materna pelo reconhecimento
de uma terceira (a paterna, ou quem faça essa função no papel de terceiro), que
a ensina a perder onipotências e a fazer escolhas; perdas como a da infância
para a adolescência – esta tomada por si só, em essência, de perdas tamanhas (do
corpo, da voz e da fala, da turma, dos amigos de outra escola, da paixão não
correspondida, da heroicidade dos pais).
O manejo da vida é em grande medida o manejo de perdas.
O bebê que, amparado, soube suportar uma perda (ausência),
assim como a criança que, tomada de conflitos subjetivos, conquistou o olhar
para si e se reconheceu uma sem os pais, e o adolescente que mesmo se
revoltando, enfrentando ou silenciando soube que não estava sozinho e teve
novamente o amparo de que necessitou para desenvolver um olhar genuíno para si,
é a pessoa que, hoje, quando perde, lida – sem se perder. A percepção, a
presença, a fala e a escuta dos pais (ou de quem cuida) frente às perdas
constitutivas do bebê, da criança e do adolescente, sujeitos altamente
vulneráveis, irá ditar como se dará a forma de lidar com as perdas seguintes –
das pequenas às imensuráveis.
Afinal, é a vida quem ganha todos os dias, até a morte chegar. Esta, sim, vencedora soberana sobre a vida.
Mas nós, sim. Perdemos, e muito, o tempo todo, temporária ou permanentemente. O ônibus, o
tempo, a convivência. O amor que esvaziou, a taça que trincou, a memória que
apagou. Perdemos num momento a filha adolescente que foi morar longe para
estudar; o pai idoso cuja fortaleza se esvai e o corpo não responde à sua
consciência; o amigo de longa data que, num súbito, perdeu o controle de sua
moto. A paciência, os óculos, a chance de dizer aquilo que ficou guardado.
Quando fazemos escolhas. Quando abrimos mão. Quando deixamos ir. Perdemos amigos
e companhia, perdemos a mãe, o pai, os avós, o emprego que amávamos. Perdemos
aos poucos quem vamos esquecendo. Perdemos tempo, viço e até alegria (que seja
por algum momento).
E o controle? Não o perdemos, porque não o temos.
Mas da matéria da perda se faz novos sonhos, e com eles, novas possibilidades.
Só se reconstrói quem, ao (se) perder, se desconstruiu. Só se busca recuperar algo
quem reconhece aquilo que perdeu. Só melhora quem assume erros e perdas. A
capacidade de sublimar as perdas em novos espaços – internos e externos – a
serem descobertos vem da habilidade de amar, por ter sido amado. E de aceitar
ser amado, por saber manifestar seu amor. É o amor, aquele primordial, em forma
de amparo e cuidado, na medida entre a presença e a ausência, entre o ter e o
faltar, entre o ser e o não saber, que, embora não alivie as dores das perdas,
tantas e todas, rasas ou profundas, não nos deixa nos perder de nossa própria
vida – e nos faz seguir em frente.
TATIANA ROSA é psicóloga, pós-graduanda em
clínica psicanalítica; pedagoga e jornalista.
E-mail: rosa.ta@gmail.com - insta:
@tati_psico
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