04 janeiro, 2017

Mais amar, só pra (re)começar


Existe uma liberdade na folha em branco, especialmente quando nela consta a aventura do ineditismo. A responsabilidade de colorir com palavras o espaço compartilhado – e dessa vez com uma gama grande e desconhecida de leitores – não deve ser um peso ou uma angústia, mas uma oportunidade de proporcionar um momento, digamos, mais leve e reflexivo no cotidiano. Há tanta gente (discernimento, ativar!) falando de política, analisando a economia, supondo explicações diversas sobre fatos midiáticos, conjecturando sobre Temer, Trump, teles que eu, aqui, quero mais é falar de amor. Oi? Sim! O amor que desejou a quem estava ao seu lado na virada do ano, que ganhou ao menos uma das sete ondas puladas, das nove uvas devoradas, das 13 sementinhas de romã que foram para a carteira ou simplesmente aquele que não deixa de ser rogado nas preces noturnas, silenciosas e solitárias, em qualquer tempo ou cenário que se faça.
Os contornos do amor – esse desejo intrínseco ao ser humano, motivo primeiro de tantas alegrias e razão de tristezas profundas – de tão imprecisos que são, sutis e intensos ao mesmo tempo, seguros e ainda assim exigentes de cuidados e retoques, dão um nó em muita gente. Dar e receber amor, em qualquer tipo de relação (a dois, de pai/mãe e filhos, entre amigos etc.), deve parecer, para talvez um ET que nos observe, algo simples. Mas são tantas as tentativas, travas, frustrações, perdões e novas decepções, términos sem fim, recomeços, desconfianças e espera, que ele mais parece residir em outra galáxia. Mas não. É um engano. Ele está nosso DNA – e é capaz de ser mais forte do que todos os entraves criados.
Ainda que se pense em uma mãe que não demonstra incondicional amor por um filho como reza a regra; ou em um filho que não coloca os pais velhos entre suas prioridades; um casamento no qual o desejo apaga e a amizade não resiste às quatro paredes; um pai que não visita mais seu pequeno, que cresce esperando; uma amizade enfraquecida por um mal-entendido. Ainda aí o amor existe. Torto, teimoso, abafado por egos e fraquezas, mas existe. Em muitos casos, exige um trabalho de superação digno de super-herói acreditar no amor que transforma mágoa em aceitação e compreensão, e ainda mantê-lo disponível para quando solicitado, mesmo que com outras vestes, mais conscientes (sim, trata-se de perdão). Em outros, mais enrijecidos, somente a compaixão salvaria que sentimentos negativos tomassem conta – afinal, cada um tem seu tempo de se aperceber que o amor verdadeiro não morre (pena que muitos morram antes disso), e que sempre há tempo para resignação.
A afetividade, formada por emoções e sentimentos, precisa porque merece (e vice-versa) de ainda mais atenção nos dias de hoje. Nesses tempos em que o ser humano teima vergonhosamente em regredir (contrariando a natureza evolutiva na qual eu, pelo menos, sempre acreditei), em que o egoísmo cresce tanto quanto a indiferença e o ódio, em que se mata um ser humano a pontapés, lotado de ignorância, e o fascismo observa à espreita, alimentando-se de preconceitos e radicalismos, a afetividade deve ser trabalhada – em casa e nas escolas (algumas começam a pôr em seus currículos as “habilidades do século 21”, que incluem o domínio interpessoal, a fim de desenvolver nos jovens a capacidade de lidar com as emoções, valorizando, por exemplo, a adaptação, a empatia, o autocontrole). Porque se não for o amor a nos unir e salvar, o que mais então?
Olhar o outro como igual seria um sinal de evolução; a criação espontânea de conexões afetivas, uma bênção. Nos resta, ao menos para sairmos desta etapa selvagem da existência, maior esforço e disposição para o exercício do reconhecimento das nossas emoções e sentimentos.
Que todo o “amor e paz” que desejou a quem estava ao seu lado na virada do ano cresça, antes, em você – ainda que esteja dilacerado com uma separação, com saudade do filho, revoltado com uma traição, brigado com o genro, remoendo suas próprias culpas, fingindo estar feliz, bebendo para esquecer alguém, com dificuldades financeiras (quem não?), sozinho em seu apartamento. Deixe que o amor brote de dentro. Dê espaço para a resiliência, paciência, tolerância, bondade nas palavras, gentileza nas atitudes. A cada passo, semeie empatia, e siga seu caminho até onde for possível o amor lhe abrir as portas. Como uma folha em branco pronta para ser preenchida, permita-se, a cada dia, recomeçar a amar.

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